16 dezembro, 2010

TV por assinatura versus TV aberta – Parte 2: “Times they are a-changin”


Existe vida inteligente no planeta TV. Quem ainda não teve o grande momento de revelação, vai ter. Cedo ou tarde vai acontecer. Aquele momento incrível, de perder o fôlego em frente à tela de TV. E você então se pergunta quando foi a última vez que se sentiu assim no escuro de uma sala de cinema.

Para o crítico Devin Gordon, da Newsweek, o momento chegou enquanto assistia ao episódio de Sopranos em que Tony, o mafioso bronco com crise de consciência, aproveita para estrangular uma testemunha durante um passeio com a filha, a caminho de uma das universidades mais prestigiadas do país. Para outros foi no primeiro episódio de Lost, ou 24. Para mim a revelação aconteceu ainda em 1998 com Sex and the City. Mas foi confirmada com a microssérie brasileira Capitu. E então assinada, carimbada e oficializada em papel timbrado com Mad Men, no momento em que a ultra glamorosa e ultra frustrada dona de casa Betty (foto), com um cigarro aceso entre os dentes, atira com uma espingarda nos pombos do vizinho, na cena final do episódio intitulado “Shoot” (que até então parecia fazer menção à sessão de fotos que acontece na história).

Claro, a TV ainda produz muito lixo, mas o cinema também o faz, assim como a indústria fonográfica e o mercado editorial. A televisão não é sozinha responsável pela banalização cultural.

Este é um momento único na história da televisão, e compreender esta mídia nunca foi tão imprescindível para uma sociedade como a contemporânea. A TV nunca esteve tão inserida na vida do consumidor (apesar da internet, o mundo inteiro está assistindo mais TV, como mostrou o recente estudo do Ad Age Insight’s), os sistemas de distribuição e as formas recepção nunca foram tão diversos e democráticos, e a dramaturgia televisiva nunca foi produzida com tamanha qualidade como na atualidade.

A correspondente de Nova Iorque do jornal O Globo, Fernanda Godoy, vai mais longe e defende que as novas produções dão à TV o prestígio que o cinema perdeu nos últimos tempos. A jornalista talvez conquiste alguns inimigos com esta generalização, especialmente no Brasil, onde a TV ainda tende a ser vista como uma mídia menor, alienada e alienante. Mas em países como os EUA e o Reino Unido esta transformação já foi percebida desde o inicio da década, tanto pelo meio acadêmico como pela imprensa especializada. Artigos como “Is television getting better than the movies?”, publicado na Empire (2002), ou “Why TV is better than the movies”, na Newsweek (2007), ou ainda “The changing face of TV”, na revista de cinema Moviescope (2009), já alertavam para este novo cenário, que tem como abre alas o canal americano HBO (Sopranos, Sex and the City, True Blood, Boardwalk Empire, Curb your Enthusiasm, In Treatment), seguido pelo Showtime (Weeds, The L Word, Dexter), FX (Damages, Nip/Tuck) e AMC (Mad Men, Breaking Bad).

Os canais de TV a cabo atraíram para seus estúdios nomes de peso como: Glenn Close, Toni Collette, Gabriel Byrne, Dianne Wiest e Vanessa Redgrave (além de Dustin Hoffman em 2011). Há quem diga que são atores que já não encontravam tanto trabalho no cinema, devido à idade mais avançada. Mas se esse é mesmo o caso, esta seria mais uma razão para acusar o cinema dos mesmos vícios e inescrupulosidade que os mais puristas vem atribuindo à televisão por anos. Se isso ainda não convence, então talvez nomes como Steven Spielberg (que produz United States Tara para a Showtime), Martin Scorsese (que produz Boardwalk Empire para a HBO) e Barbet Schroeder (que dirigiu um dos episódios de Mad Men) selem o argumento.

Estas produções abriram precedente para a crescente ousadia (mesmo que contida) que vemos hoje refletida em séries da TV aberta, como Lost e Modern Family (ABC), House (FOX), e, olhando para o mercado brasileiro, as inovadoras Som e Fúria e Clandestinos (Globo). Ainda assim, como no caso de Lone Star (FOX) e outras tantas boas histórias que são cortadas antes de terem chance de amadurecer, existe uma linha fina que ainda demarca até onde a TV aberta pode caminhar. Quando ousa caminhar do outro da linha, não há garantias, e o preço pode às vezes ser a perda dos tão preciosos eye-balls da audiência. Ou os ainda mais preciosos cheques dos anunciantes. Na dúvida, não ultrapasse. Na dúvida, a TV aberta prefere repetir a fórmula que dá certo.

Mas os tempos estão mudando. Palavras como tablets, second screen, webséries, DVRs, Netflix, torrents, Twitter e YouTube foram adicionadas ao glossário dos produtores. O que à primeira vista pode parecer uma ameaça, pode também ser uma oportunidade. Que se arrisque a cruzar a linha aquele que tem menos a perder.


Amanhã:
TV por assinatura versus TV aberta – Parte 3: HBO e a arte de “não ser TV”

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